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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

História antiga:Babilônia




Mais alguns trechos de excelentes livros de história antiga, que demonstram como as religiões mais recentes, como o cristianismo, beberam em fontes bem anteriores:

Histórica e etnicamente, a Babilônia era o produto da união dos acadianos e sumerianos. Da mistura resultou o tipo babilônico, no qual o sangue semita predominou; teve fim a luta com o triunfo de Acad e o estabelecimento da Babilônia como a capital da Baixa Mesopotâmia. No começo de sua história aparece a grande figura de Hamurábi (2123-2081 a.C.), conquistador e legislador, com um reinado de quarenta e três anos. Selos e inscrições primitivas transmitem-nos o seu vulto – um jovem dotado de gênio, verdadeiro furacão nos combates, esmagador de todos os rebeldes, devassador de montanhas inacessíveis e homem de palavra. Sob sua manopla os pequenos  estados guerreiros do baixo vale viram-se compelidos à unidade e disciplinados na ordem por um código de leis histórico.
                O código de Hamurábi foi desenterrado, em Susa, em 1902, belamente gravado em diorito, num cilindro levado como troféu de guerra da Babilônia para Elam (1100 a.C.) Como a de Moisés, essa legislação surge como um dom do céu: o cilindro mostra o soberano no ato de receber as leis de Chamac, o próprio Deus-Sol. (...)
(...) O código principia com homenagens aos deuses, mas deles se esquece logo que entra a formular preceitos, num espírito absolutamente secular. (...) Essas 285 leis, dispostas quase que cientificamente sob as rubricas de Propriedade Privada, Bens de raiz, Comércio e Negócios, Família, Agravos e Trabalho, formam um código mais adiantado e civilizado do que o da Assíria, feito mil anos depois, e a muitos respeitos “tão bom como o dos modernos estados europeus”. (Sumner, Folkways, 504.) (p.228-229).
(...)
                Ao aproximar-se da cidade o viajante via, primeiramente, um alto ziggurat de sete andares, esmaltado e com 215 metros de altura; em cima, o santuário onde figurava uma mesa de ouro maciço e o suntuoso leito em que, cada noite, alguma mulher dormia ou esperava o contacto do deus. (Heródo, I, 181.) Esta estrutura, mais alta que as pirâmides do Egito, era provavelmente a “Torre de Babel” do mito judaico, a audaciosa construção de um povo desconhecedor de Jeová e que por ele fora confundido por meio da multiplicidade das línguas. (Babel, entretanto, não quer dizer confusão de línguas, como supõe a lenda; usada na palavra Babilônia, significa Porta de Deus (Cambridge Ancient History, I, 503.)) (p.233).
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Ishtar

                Não encontramos entre os babilônios sinais de monoteísmo, como os vemos em Ikhnaton e em Isaías. Duas forças, entretanto colaboravam para isso: o alargamento do estado pela conquista ou crescimento natural punha as divindades locais sob a hegemonia dum deus supremo; e patrioticamente diversas cidades conferiam a onipotência à sua deidade favorita. “Confiai em Nebo e só nele”, diz o deus Nebo (G. Maspero, Dawn of Civiization, 644.) – o que muito relembra o primeiro mandamento dos judeus. Aos poucos foi o número de deuses decrescendo com a interpretação dos menores como formas ou atributos dos maiores. Desse modo Marduk, originariamente um deus sol, se tornou título de Bel-Marduk – isto é, Marduk o deus. A ele e a Ishtar iam as mais eloqüentes orações.
                Ishtar (Astarde para os gregos e Ashtoreth para os judeus) interessa-nos não só como análoga à Ísis egípcia e o protótipo de Afrodite grega, mas como símbolo dum dos mais estranhos costumes dos babilônios. Ishtar tanto era Deméter como Afrodite – não apenas a deusa da beleza física e do amor, mas a graciosa diva da generosa maternidade, a secreta inspiração do brotar das plantas, o princípio criador sob qualquer aspecto. Impossível encontrar muita harmonia, do nosso moderno modo de ver as coisas, nos atributos e funções de Ishtar: era a deusa da guerra e do amor, das prostitutas e das mães; chamava-se a si mesma “compassiva prostituta”; (Briffault, III, 169.) era representada muitas vezes como deidade bissexual, barbada, às vezes como mulher nua dando os seios a sugar; (Cambridge Ancient History, I, 208, 530.) “Sagrada Virgem” ou “A Virgem Mãe”, isto apenas significava que seus amores eram livres de qualquer laço legal. Gilgamesh rejeitou-lhe o amor porque a não considerava de confiança; já não havia ela uma vez seduzido, amado e depois morto, um leão? (Ibid., 500.) Claro que para entendê-la temos de por de banda o nosso código moral. Note-se com que fervor os babilônios lhe erguiam preces, só menos esplêndidas que as elevadas à Mãe de Deus. (p.244).
                Com esses deuses como atores, os babilônios construíram mitos que em boa parte chegaram até nós, através dos judeus, e fazem parte das religiões de hoje. Em primeiro lugar, o mito da Criação. No Começo era o Caos. “No tempo em que nada do que é chamado céu existiam em cima, e nada havia em baixo que tivesse recebido o nome de terra, Apsu, o Oceano, que primeiro foi seu pai, e Tiamat, Caos, que deu origem a todos eles, misturaram suas águas numa só”. As coisas lentamente começaram a crescer e tomar forma; mas de súbito a monstruosa deusa Tiamat empreendeu a destruição de todos os deuses a fim de fazer-se ela mesma, Caos, suprema. Uma poderosa convulsão se seguiu, na qual toda ordem foi destruída. Então outro deus, Marduk, matou Tiamat, lançando para dentro de sua boca um furacão no instante em que ela a abriu para devorá-lo; depois, arremessando a lança contra a deusa cheia de vento, fê-la explodir. “Recobrando a calma”, diz a lenda, “Marduk partiu Tiamat ao meio, como se faz ao peixe que vai a secar; e então  pendurou um dos pedaços em cima, o qual ficou o céu, e desdobrou o outro a seus pés, o qual ficou a terra”. (G. Maspero, Dawn of Civiization, 537.) Talvez o poeta criador dessa lenda quisesse sugerir que a criação única de que podemos saber alguma coisa é a substituição do caos pela ordem, porque no fundo é esta a essência da arte e da civilização. Cumpre, entretanto, não nos esquecer que a derrota de Caos é apenas um mito.*
* Esta história da Criação consta de sete tabletas (uma para cada dia) encontradas nas ruínas da biblioteca de Assurbanipal em Nínive, em 1854; são a cópia duma lenda que da Suméria veio para a Babilônia e a Assíria. (Cf. Langdon, Babylonian Wisdom, 18-21.).
                Havendo colocado o céu e a terra em seus lugares, Marduk empreendeu a tarefa de amassar a terra com seu sangue, e assim fez ele os homens para o serviço dos deuses. As lendas da Mesopotâmia diferem neste ponto; mas concordam que o homem foi feito dum pouco de barro. Usualmente representam-no a viver num paraíso, em bestial simplicidade e ignorância, até que um estranho monstro, Oannes, meio peixe, meio filósofo, lhe ensinou as artes, e as ciências, as regras para fundar cidades e os princípios da lei; depois do que Oannes mergulhou no mar e escreveu um livro sobre a história da civilização. (G. Maspero, Dawn of Civiization, 546.)

                Sem demora, entretanto, os deuses se aborreceram com os homens que haviam criado, e mandaram uma grande inundação para destruí-los e a todas as suas obras. O deus da sabedoria, Ea, com piedade do gênero humano, resolveu salvar pelo menos um – Shamash-napishtim – mais sua mulher. A inundação veio; “o mar se encheu de homens, como de ovos de peixe”. E então os deuses choraram diante da própria loucura, perguntando-se: “Quem agora nos proporcionará sacrifícios?” Mas Shamash-napishtim, que havia construído uma arca, sobrevivera ao dilúvio, no alto da montanha de Nisir, e soltara uma pomba para inspeção; e resolvera sacrificar aos deuses, os quais se agradaram, com supresa e gratidão. “Os deuses cheiraram o fumo do sacrifício e juntaram-se como moscas em redor da oferenda”. (Ibid., 566-72.) (p.245-246).

(...) Vítima freqüente dos altares babilônicos sempre foi o carniceiro; e uma velha encantação babilônica estranhamente antecipa o simbolismo judaico e cristão. “O cordeiro como substituto do homem, o cordeiro que por ele dá a vida.” (M. Jastrow, Civilization of Babylonia and Assyria, 249.) (p.249).
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Um comentário:

Maurício Paraboni disse...

Putz1 É fantástico ter acesso a essas informações, muito obrigado, vai ser de grande utilidade.