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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

III PNDH veio em boa hora



Outro excelente texto:




O carnaval de setores midiáticos em torno do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos produziu (que novidade!) muito mais desinformação do que outra coisa. Aquele insano alucinado da Veja disparou calúnias inacreditáveis, ao mesmo tempo em que ditava pautas, com arrogância infinita, à imprensa nacional. E a imprensa nacional obedeceu! O Globo pediu desculpas em editorial por não ter percebido, no momento em que o decreto foi divulgado, em dezembro, a sua "natureza antidemocrática" (entenda-se aí democracia da mesma forma como o Globo a entendia em 1964). Alegou que se distraíra com o novo visual da ministra Dilma Rousseff.


Não tenho hábito de ler documentos enormes lançados pelo governo. Procuro me ocupar com textos mais divertidos. Já me bastam as dezenas de jornais, revistas, sites e blogs que leio diariamente. Abri uma exceção, e cá estou lendo (sem muito entusiasmo, confesso), o II e o III Programa Nacional de Direitos Humanos.


As primeiras duas edições foram assinadas por Fernando Henrique Cardoso. São todos muito parecidos, mas ninguém acusou FHC de querer solapar a democracia brasileira.


Então as teorias golpistas, segundo as quais o III PNDH seria um documento chavista, começam a ruir. O blogueiro Raphael Neves ajudou a trazer um pouco de esclarecimento. Foi o primeiro a alertar que a maioria dos itens que agora apavoram a mídia constavam na edição assinada por FHC.


Entre eles, alguns entre o 97 e o 105, do capítulo Garantia do Direito à Liberdade (do II PNDH, o de FHC). Separei alguns:


97. Estabelecer diálogo com os produtores e distribuidores de programação visando à cooperação e sensibilização desses segmentos para o cumprimento da legislação em vigor e construção de uma cultura de direitos humanos.


98. Apoiar o funcionamento da Coordenação Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, de modo a dotá-la de capacidade operativa compatível com sua missão institucional.


99. Criar um sistema de avaliação permanente sobre os critérios de classificação indicativa e faixa etária.


100. Promover o mapeamento dos programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, a violência, a tortura, o racismo e outras formas de discriminação, a ação de grupos de extermínio e a pena de morte, com vistas a identificar responsáveis e a adotar as medidas legais pertinentes.


101. Apoiar a instalação, no âmbito do Poder Legislativo, do Conselho de Comunicação Social, com o objetivo de garantir o controle democrático das concessões de rádio e televisão, regulamentar o uso dos meios de comunicação social e coibir práticas contrárias aos direitos humanos.


102. Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas de telecomunicação que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos.


104. Propor legislação visando a coibir o uso da Internet para incentivar práticas de violação dos direitos humanos.


105. Garantir a imparcialidade, o contraditório e o direito de resposta na veiculação de informações, de modo a assegurar a todos os cidadãos o direito de informar e ser informado.


O III PNDH traz mudanças, claro. Se não as houvesse, não haveria razão de lançar uma terceira edição. Está mais completo, e contempla um pouco mais a opinião dos movimentos sociais. No entanto, o espírito do documento permanece o mesmo. E recebeu apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de juristas notáveis, muitos dos quais ligados à oposição tucana. A mídia, como de praxe, tem sido muito mais oposicionista que a própria oposição partidária. A OAB paulista, claro, aquele ninho de direitistas radicais, que patrocinou o Cansei (novamente na contramão da entidade nacional) e reelegeram o demista Flávio D'Urso para presidente, marcou posição entre os críticos.


Neste programa exibido na Globonews, José Gregori, um dos nomes mais respeitáveis do tucanato, ex-ministro da Justiça de FHC e atual secretário de Direitos Humanos da prefeitura Kassab, do DEM, defende o III PNDH. Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e igualmente figura ligada ao conservadorismo político (muito longe do bolivarianismo radical que pretendem atribuir ao documento), também defendeu o texto assinado por Lula.


E Paulo César Pinheiro, relator da ONU e ex-membro da gestão fernandista, dá uma entrevista definitiva sobre o decreto, explicando que ele é uma atualização racional das edições anteriores, assinadas pelo ex-presidente.


Pela milésima vez a mídia produziu um escândalo falso.


Em primeiro lugar, o III Programa Nacional de Direitos Humanos não é vinculante. Suas propostas não têm valor constitucional, pois ainda serão discutidas pelo Congresso, onde serão mais uma vez expostas ao debate público. Serão votadas pelos representantes do povo e, se aprovadas, aí sim serão integradas à Constituição Brasileira.


Em virtude das personalidades de alto valor intelectual e moral que o defendem, de um lado, e da vileza e desonestidade dos que o atacaram, e, por último, depois de minha própria leitura do texto, concluí que é um documento que promove avanços importantes para a sociedade brasileira, preparando-a para um estágio superior de civilização.


*


Creio, portanto, que o lançamento do III Programa Nacional de Direitos Humanos, ao contrário do que pensei inicialmente, ainda perplexo com a atmosfera de apocalipse chavista criada pela mídia, veio em boa hora. Se fosse lançado mais para frente, mais perto das eleições, aí sim, o clima enlouquecido da disputa eleitoral interditaria completamente o debate, muito mais do que hoje. Como faltam dez meses para o pleito, a temperatura política, ao contrário do clima escaldante que derrete as cidades brasileiras, ainda está relativamente baixa, permitindo que os ataques tendenciosos contra o decreto possam ser repudiados por elementos honestos e lúcidos da sociedade civil.

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