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sábado, 27 de março de 2010

O Circo Nardoni


Por Aurelio Moraes e Guilherme Magalhães


O caso Nardoni suscitou uma série de pré-julgamentos por parte de pessoas que consideravam o casal culpado e bradam por Justiça. Será mesmo que elas sabem o que significa essa palavra tão importante? É notório e urge dizer que ninguém pode ser condenado sem prévio processo legal devidamente realizado, garantindo-se os princípios constitucionais que norteiam o processo, como o da ampla defesa e do contraditório. Sem esse processo, voltaríamos aos velhos tribunais ad hoc (de exceção), em que julgava-se pela conveniência da sentença e não no sentido de alcançar a verdade e uma pena justa.

Quem gritou durante todos estes dias do julgamento por “Justiça” e condenou previamente o casal Nardoni, pode um dia sentir sobre si o peso da mão forte e impassível do Estado sobre suas costas, os mesmos que xingam o advogado (profissional no pleno exercício de suas atribuições constitucionais) podem desesperadamente precisar de um algum dia. O advogado não é cúmplice dos réus, é um profissional habilitado para defendê-los de arbitrariedades do Estado e garantir que lhes seja proferida a menos injusta das sentenças.

É válido dizer que no nosso país casos semelhantes já resultaram em absolvição. Infelizmente a Justiça no Brasil é seletiva em alguns casos. Pelas provas apresentadas pela promotoria não há evidências conclusivas da autoria do casal, a melhor das doutrinas preconiza que o ônus da prova é de quem acusa, se não há como demonstrar a culpabilidade, não pode haver condenação. A repercussão na mídia motivara a condenação pelos jurados, sob pena de um casal ter sido condenado injustamente por crime que não cometeu.

E se realmente eles são culpados, seria deveras prudente a defesa utilizar-se da estratégia de demonstrar que não houve dolo no sentido de matar a menina (o que me parece bem razoável, crimes ocorrem quando há motivos, o casal pelo que foi apurado se relacionava muito bem com a criança, não haveria motivo para matá-la), a pena para lesão corporal grave seguida de morte é muito menor que a do homicídio qualificado. E essa tese poderia eventualmente inocentar Nardoni, uma vez que ao ter jogado a menina pela janela ele poderia ter pensado que ela já estivesse morta, incorrendo em erro de tipo, que é uma das causas de extinção da punibilidade. Um advogado experiente, como o do caso, certamente optaria por esse caminho, o fato de não ter optado indica que o defensor acredita na inocência do casal.




 Quem não se lembra do caso da Escola-Base? Vejo semelhanças com o caso Isabella Nardoni:
" Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola Ichshiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França.
De acordo com as denúncias apresentadas pelos pais, Maurício Alvarenga, que trabalhava como perueiro da escola, levava as crianças, no período de aula, para a casa de Nunes e Mara, onde os abusos eram cometidos e filmados. O delegado Edelcio Lemos, sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, divulgou as informações à imprensa.
A divulgação do caso levou à depredação e saque da escola. Os donos da escola chegaram a ser presos. No entanto, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas. Não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento.
Com o arquivamento do inquérito, os donos e funcionários da escola acusados de abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. Além da empresa 'Folha da Manhã', outros órgãos de imprensa também foram condenados, além do governo do estado de São Paulo. Outros processos de indenização ainda devem ser julgados."


 Também é condenável o espetáculo macabro criado entorno do assunto pela mídia. É preciso estabelecer regras para evitar o circo criado. Antes do julgamento, batalhões de fotógrafos e cinegrafistas cercavam acusados, advogados e envolvidos, fazendo até que a avó de Isabella acenasse para a câmera, como se fosse uma espécie de estrela de novela. É mesmo necessária esta especularização? Diariamente morrem várias crianças pobres em situações igualmente ou mais bárbaras que a da menina Isabella. Por que não dar a devida atenção a outros casos? Este caso só ganhou tanta notoriedade porque a mídia quis. Está na hora do jornalismo brasileiro ampliar os horizontes de sua cobertura policial e sem pré-condenações. Jornalista não tem que afirmar que a pessoa A ou B é culpada, nem incitar o público. Há de se informar imparcialmente, sem afobações e sem espetacularização. A imprensa mais  uma vez cometeu o erro cometido em outrora, como no caso que citei anteriormente.


"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito". – Rudolf von Jehring

6 comentários:

Unknown disse...

parabéns pela materia,baseada nos FATOS,não em emoções . Infelizmente o brasil é 1 circo e o povo os macacos amestrados,levam porrada,da vontade de rir deles e no final só ganham 1 misera banana...e mesmo assim se mostras felizes e satisfeitos!!! Graças a Deus ja não moro nesse país de gente tacanha....q não pensa por si proprio....mas pensa atraves de emissoras de tv tipo a globosta.Não sei se o casal é ou não culpado,mas sei q não existem provas cabais para sua condenação!
mas isso é o brasil....amanha todos voltam pra sua vidas mediocres,regadas a cerveja,carnaval,baile funk....e se esquecem de tudo isso!
abraços a todos

Anônimo disse...

Parabéns pela matéria Aurélio, deveriam existir mais jornalistas como você.. Tendo consciencia de que o que está em jogo são vidas de um casal pais de 2 filhos, e não somente um artigo pra fazer o circo pegar fogo..

Anônimo disse...

http://www.fazendomedia.com/globo40/romero10.htm

Vanessa disse...

Gostei muito do seu texto e tomei a liberdade de transcrever uma parte (com devida fonte e autoria) no meu blog sobre psiquiatria e saude mental.
http://psiquiatriaetoxicodependencia.blogspot.com/2010/03/panis-et-circenses-o-caso-nardoni.html

Com os melhores cumprimentos

Unknown disse...

Saudações a todos.

Meu nome é Márcio, tenho 19 anos, moro no município de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro, e assisto a telejornais todos os dias.

Penso que a mídia neste país tem um poder muito maior do que deveria. Ela, além de ser mestra em esconder informações, faz com que pensemos o que ela quer que pensemos. Tragédias, mortes e corrupção são as coisas que ela nos mostra porque dá audiência e dinheiro e porque, dessa forma, ela nos convence daquilo que ela quer: todos são imorais, o mundo está uma droga, e só eles, jornalistas, são corretos.

A mídia, portanto, é moralista. Ela sim governa o Brasil. Ela age não apenas como noticiadora, mas também como fiscal e juíz, como se fosse um Quarto Poder.

Contudo, no caso dos Nardoni, não há como chegar a outra conclusão além da de que eles são culpados.

Sei que as massas são manobradas pela mídia, sei que a mídia pré-condenou os Nardoni, mas o que se poderia pensar sobre a morte de uma menina de 5 anos que tem como úncos suspeitos o pai e a madrasta? E que outros sentimentos alguém poderia ter senão os de indignação e revolta após esse fato?

Um ladrão, ao contrário do que a defesa sugeriu, não poderia ter entrado num apartamento só para matar uma menina sem levar nada.

Além disso, Alexandre Nardoni tem dinheiro. Na certa se a filha morresse "num acidente", ele não teria que pagar pensão. E não se pode esquecer da madrasta, que poderia ter ciúmes da entiada.

Quanto ao caso da Escola Base, acho que ele é compelatamente diferente do caso Nardoni: Em nenhum momento as notícias e reportagens sobre o assassinato da menina Nardoni atrapalharam as investigações e muito menos causaram a depredação do apartamento de cuja janela ela foi jogada.

Em princípio, isto é, sem ponderar muito, eu concordo com os autoress do texto em que não se deve fazer pré-julgamentos, mas tudo aponta para Nardoni e Jatobá como culpados. Mesmo se não houvesse tanta atenção ao caso, o veredicto seria o mesmo. Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá seriam condenados independentemente da opinião pública. Afinal, quem mais poderia ter matado Isabela Nardoni?

Pra terminar, eu gostaria de dizer algo sobre o comentário do Lucas, que é o primeiro. Ele parabeniza os autores do texto por ele ser "baseado nos fatos", e não em emoções. Isso dá a entender que é errado julgar com emoções - o que é algo absurdo. Nós somos seres hmanos, e não máquinas. Se ele, o Lucas, autor do primeiro comentário, tivesse a filha assasinada, ele iria julgar "sem emoções"?

Fico por aqui.

Anônimo disse...

Ola. parabens! Primeira análise lúcida sobre este triste tema.
Lamento pelas duas crianças que carregarao o estigma dos pais por toda sua adolescencia, pelo menos. Veja as capas das principais revistas semanais. Repetem o tema para vender revista e as pessoas compram para fruir os detalhes morbidos. Quem nem os curiosos que param para ver as vitimas de acidente.Foram julgados,condenados. Que paguem sua pena e que as pessoas de bem, que depredam as casas dos pais dos culpados deixem as respectivas familias em paz para seguirem com sua existencia, inclusive a mae da criança que deve achar horrivel ver as capas das semanais. Que coisa sinistrA! As vezes parece que as pessoas tem o prazer nisso, nao tanto o horror do crime em si mas o prazer de jogar as pedras.