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sábado, 14 de agosto de 2010

Sobre a medicina ortomolecular



Outro dia, no jornal "O vale", daqui de São José dos Campos, foi publicada uma matéria sobre a medicina ortomolecular. Talvez fosse prudente que a jornalista e autora da matéria Suzane Rodriguez (que inclusive foi minha colega de faculdade) , tivesse pesquisado um pouco mais. Descobriria que as alegações da medicina ortomolecular são muito questionadas no meio científico, assim como as afirmações da homeopatia. Esta falta de investigação científica mais detalhada demonstra o quanto é necessário que os jornalistas se aprofundem na disciplina do jornalismo científico.
A medicina ortomolecular usa uma idéia aparentemente razoável que esteve muito em voga algumas décadas atrás: a de que "radicais livres" poderiam ser danosos ao organismo. Esses radicais deveriam então ser
combatidos com mega-doses de vitaminas. Só que essa idéia já mostrou que não funciona bem há muito tempo. Inúmeros estudos já mostraram que excesso de vitaminas não faz bem, e
que em muitos casos podem causar câncer em vez de preveni-lo. Os médicos desta área também  gostam de  fazer "quelação": tirar "metais pesados" do organismo. Este artigo mostra como isto é ineficaz:
Medical Association Settles False Advertising Charges Over Promotion of "Chelation Therapy"




Este artigo do médico norte-americano Stephen Barett questiona as alegações da medicina ortomolecular, mencionando várias referências acadêmicas:



Terapia Ortomolecular

Stephen Barrett, M.D.

A "terapia ortomolecular" é definida por seus proponentes como "o tratamento de doenças através da variação das concentrações de substâncias normalmente presentes no corpo humano". Seus proponentes alegam que muitas doenças são causadas por desequilíbrios moleculares que são corrigíveis pela administração das moléculas nutritivas "certas" no momento certo. (Orthos é a palavra grega para "certo/direito".)
A terapia ortomolecular data do início da década de 1950 quando alguns psiquiatras começaram a adicionar doses altas de nutrientes aos seus tratamentos de problemas mentais graves. A substância original era a vitamina B3 (ácido nicotínico ou nicotinamida) e a terapia era denominada "terapia de megavitamina". Mais tarde o regime do tratamento foi expandido para incluir outras vitaminas, minerais, hormônios e dietas, qualquer uma delas pode ser combinada com a terapia medicamentosa convencional e com os tratamentos de eletrochoque. Atualmente cerca de uma centena de médicos norte-americanos usam esta abordagem para tratar uma variedade de distúrbios, tanto mentais como físicos.
Durante a década de 80, por exemplo, o Princeton Brain Bio Center (sem nenhuma relação com a Princeton University), em Skillman, Nova Jersey, vendia seus tratamentos "nutricionais" para alcoolismo, alergias, artrite, autismo, epilepsia, hipertensão, hipoglicemia, enxaquecas, depressão, dificuldades de aprendizado, retardo mental, desordens mentais e metabólicas, problemas cutâneos e hiperatividade [1]. Seus serviços incluíam exames laboratoriais que a maioria dos médicos não consideraria necessários ou úteis para diagnosticar estas desordens.

Análise Crítica

Diversas equipes de especialistas examinaram as alegações dos proponentes da "ortomolecular" e concluíram que elas não têm fundamentos.
No início da década de 70, uma força-tarefa especial da American Psychiatric Association investigou as alegações dos psiquiatras que adotaram a abordagem ortomolecular. A força-tarefa apontou que estes profissionais usaram métodos não convencionais não apenas no tratamento mas também para diagnosticar. Sua conclusão foi provavelmente a declaração mais dura jamais publicada por uma equipe de revisão científica:
Esta revisão e crítica examinou cuidadosamente a literatura produzida pelos proponentes de megavitaminas e por aqueles que têm tentado repetir seus trabalhos básicos e clínicos. Conclui com relação a isto que a credibilidade dos proponentes de megavitaminas é baixa. Sua credibilidade é ainda mais diminuída por uma recusa constante ao longo da última década em realizar experimentos controlados e em publicar seus resultados novos de uma maneira cientificamente aceitável. Sob estas circunstâncias esta força-tarefa considera a publicidade poderosa, a qual eles vinculam via rádio, pela imprensa leiga e por livros populares, usando frases de efeito que na verdade são denominações inapropriadas como "terapia de megavitaminas" e "tratamento ortomolecular", como sendo deplorável [2].
O Comitê Consultivo de Pesquisa do National Institute of Mental Health revisou dados científicos pertinentes durante o ano de 1979 e chegou a conclusão que a terapia de megavitaminas era ineficaz e poderia ser prejudicial. Após o Subcomitê de Defesa dos EUA examinar esta terapia, ela deixou de ser um tratamento coberto pelo CHAMPUS, o programa de seguro-saúde dos dependentes de militares.
Várias alegações que megavitaminas e megaminerais são eficazes contra psicoses, desordens de aprendizado e retardo mental em crianças foram desmascaradas em relatórios do comitê de nutrição da American Academy of Pediatrics em 1976 e 1981 e pela Canadian Academy of Pediatrics em 1990 [3]. Os dois grupos advertiram que não existe nenhuma prova de benefício em qualquer um destes problemas e que megadoses podem ter efeitos tóxicos graves. O relatório de 1976 concluiu que um "culto" tem se desenvolvido entre os seguidores da terapia de megavitaminas [4].
Em 1991, pesquisadores holandeses publicaram sua avaliação de 53 ensaios controlados dos efeitos da niacina, vitamina B6 e multivitaminas sobre as funções mentais. Eles concluíram:
Virtualmente todos os ensaios mostraram deficiências graves: no número de participantes, na apresentação das características de linha de base e dos resultados, e na descrição das mudanças em tratamentos concomitantes. Somente em crianças autistas alguns resultados positivos foram encontrados com doses muito altas de vitamina B6 combinadas com magnésio, mas são necessárias evidências adicionais antes que se possa chegar à conclusões mais definitivas. Para as muitas outras indicações (crianças hiperativas, crianças com síndrome de Down, mudanças do QI em crianças saudáveis em idade escolar, esquizofrenia, funções psicológicas em adultos saudáveis e pacientes geriátricos) não existe nenhum suporte adequado a partir de ensaios controlados a favor da suplementação com vitaminas [5].
Subseqüentemente, uma equipe norte-americana usando uma ampla pesquisa pelo computador conseguiu localizar 12 estudos com a vitamina B6 e o magnésio para o autismo. Sua análise, publicada em 1995, concluiu:
A maioria dos estudos relatou uma resposta favorável ao tratamento com vitamina. Entretanto, a interpretação destes achados positivos precisa ser moderado devido às deficiências metodológicas inerentes em muitos dos estudos. Por exemplo, uma série de estudos empregou medidas imprecisas dos resultados, foram baseados em amostras pequenas e um possível uso repetido dos mesmos indivíduos em mais de um estudo, não ajustaram os efeitos de regressão na melhoria das medidas e omitiram coletar dados de acompanhamento por longo período de tempo [6].
Todos os 12 estudos parecem ter sido escritos por pesquisadores que são amigos íntimos. (Uma pessoa, por exemplo, é co-autora de onze dos trabalhos). Cada um dos estudos usou pelo menos 600 mg por dia de vitamina B6, o que está bem acima da quantidade mínima descrita como causadora de lesão em nervos. Então mesmo se estas doses de B6 fossem eficazes, seu uso provavelmente não seria seguro.
Um recente estudo duplo-cego randomizado não encontrou nenhuma evidência que regulando os níveis de vitaminas de adultos com esquizofrenia influenciasse o estado clínico de 19 pacientes adultos com esquizofrenia. O grupo experimental recebeu quantidades de megavitaminas baseadas em seu nível de vitaminas no soro mais restrição dietética baseada em testes de Radioallergosorbent (RAST). O grupo controle recebeu 25 mg de vitamina C e foram prescritas substâncias consideradas alergênicas pelo teste RAST. Após cinco meses, houve diferenças marcantes nos níveis de vitaminas no soro mas nenhuma diferença consistente nos sintomas ou no comportamento entre os grupos [7].

A Linha Final

O corpo humano tem uma capacidade limitada para utilizar vitaminas em suas atividades metabólicas. Quando as vitaminas são consumidas além das necessidades fisiológicas do corpo, elas agem como drogas ao invés de vitaminas. Existem algumas situações nas quais altas doses de vitaminas são reconhecidamente benéficas, mas ainda assim elas devem ser usadas com cautela devido ao potencial de toxicidade. Por exemplo, doses altas de niacina podem ser muito úteis como parte de um programa abrangente, supervisionado por um médico, para controlar níveis anormais de colesterol no sangue. Entretanto, os profissionais da "ortomolecular" vão muito além disso por prescreverem grandes quantidades de suplementos para todos ou para a maioria dos pacientes que consultam com eles. Esta abordagem pode resultar em um grande dano aos pacientes psiquiátricos quando usada no lugar de medicamentos eficazes.

Referências

  1. Princeton Brain Bio Center. Brochure, distributed to patients. Skillman, N.J., 1983, The Center.
  2. Lipton M and others. Task Force Report on Megavitamin and Orthomolecular Therapy in Psychiatry. Washington D.C., 1973, American Psychiatric Association.
  3. Nutrition Committee, Canadian Paediatric Society. Megavitamin and megamineral therapy in childhood, Canadian Medical Association Journal 143:1009­1013, 1990.
  4. Committee on Nutrition, American Academy of Pediatrics. Megavitamin therapy for childhood psychoses and learning disabilities. Pediatrics 58:910­912, 1976.
  5. Kleijnen J, Knipschild P. Niacin and vitamin B6 in mental functioning: a review of controlled trials in humans. Biological Psychiatry 29:931-941, 1991
  6. Pfeiffer SI and others. Efficacy of vitamin B6 and magnesium in the treatment of autism: A methodology review and summary of outcomes. Journal of Autism and Developmental Disorders 25:481-493, 1995.
  7. Vaughan K, McConaghy M. Megavitamin and dietary treatment in schizophrenia: A randomised, controlled trial. Australia New Zealand Journal of Psychiatry 33:84-88, 1999 


Fonte: Quackwatch

Mais alguns esclarecimentos:

"A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – SBEM e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade – ABESO vêm a público fazer alguns esclarecimentos sobre a propagação de dietas fundamentadas na Medicina Ortomolecular:
1) Não existe a especialidade Medicina Ortomolecular;
2) Não existem evidências científicas de que dietas à base de tratamento ortomolecular sejam eficazes a curto ou a longo prazo;
3) A resolução do Conselho Federal de Medicina 1500/98 em seu artigo 13 é clara:


RESOLUÇÃO CFM Nº 1500/98
Art.13. São métodos destituídos de comprovação científica suficiente quanto ao benefício para o ser humano sadio ou doente e, por essa razão, proibidos de divulgação e uso no exercício da Medicina os procedimentos de prática Ortomolecular, diagnósticos ou terapêuticos, que empregam:
I) Megadoses de vitaminas;
II) Antioxidantes para melhorar o prognóstico de pacientes com doenças agudas ou em estado crítico;
III) Quaisquer terapias ditas antienvelhecimento, anticâncer,
antiarteriosclerose ou voltadas para patologias crônicas degenerativas;
IV) EDTA para remoção de metais pesados fora do contexto das
intoxicações agudas;
V) EDTA como terapia antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose ou voltadas para patologias crônicas degenerativas;
VI) Análise de fios de cabelo para caracterizar desequilíbrios bioquímicos;
VII) Vitaminas antioxidantes ou EDTA para genericamente “modular o
estresse oxidativo”.

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a ABESO são entidades oficiais, reconhecidas pelos seus órgãos reguladores e se sentem na obrigação de proteger a população contra falsas informações, falsas propagandas e falsos produtos que colocam vidas em risco."


Fonte: Abeso


"A resolução que está em vigor por enquanto é a 1.500/98, que não reconhece a ortomolecular como especialidade médica e proíbe vários procedimentos, como, por exemplo, uso de megadoses de vitaminas, terapias antienvelhecimento e exame de análise de fios de cabelo para desequilíbrio químico. Mesmo assim, muitos médicos insistem em oferecer esses tratamentos.

- Os médicos que praticam ortomolecular devem obedecer à resolução em vigor."
CRM-PR






Matéria interessante do G1:



Conselho de medicina vê irregularidades em consultórios de terapia ortomolecular

Produtora visitou clínicas e mostrou como funciona o tratamento.

Conselho Federal de Medicina e especialistas contestam práticas.

No início deste mês, entraram em vigor novas regras do Conselho Federal de Medicina para a especialidade ortomolecular.

A reportagem do Fantástico visitou quatro clínicas para verificar como é a conduta dos profissonais da especialidade que está "na moda".

As promessas de combate ao envelhecimento, de mais disposição física e até de emagrecer atraíram muita gente. “Está na moda. Estou fazendo dieta ortomolecular. Já fiz 80 vezes. Você bota lá e eles dizem que você está com deficiência disso ou daquilo”, diz a cantora Preta Gil.

“Eu já utilizei a medicina ortomolecular, inclusive quando isso virou uma febre. Até hoje eu tomo vitamina C, tomo ferro”, comenta a cantora Ivete Sangalo.

'Sintomas'
Nas quatro clínicas visitadas, a produtora do Fantástico contou histórias parecidas: desânimo, queda de cabelo, problemas de memória, noites mal dormidas, depressão. Para sintomas iguais, houve diagnósticos diferentes.

“Isso pode ser ou deficiência de vitamina C ou de taurina, que é um aminoácido que está presente na carne”, disse um profissional. “Isso daí é deficiência de iodo”, atestou outro.

“Provável processo degenerativo crônico em andamento”, comentou um médico. “Isto indica uma leve sobrecargazinha nos rins e no fígado”, disse uma terapeuta.

Sangue

Para chegar a essas conclusões, um mesmo exame: o da gota de sangue. O teste não tem comprovação científica e é vetado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). “Isso aqui é um cristal de colesterol com uma cândida em cima”, aponta um terapeuta.

O Fantástico mostrou as imagens para um especialista em doenças do sangue. “Ele pode chamar aquilo do que ele quiser, mas não corresponde a uma infestação por cândida. Isso não é visualizado dessa maneira através de um exame como esse, muito menos em cima de um cristal de colesterol. As pessoas que têm cândida circulante no sangue estão gravemente doentes”, explica o hematologista Daniel Tabak.

“Está vendo que tem umas bolinhas aqui dentro das hemácias? Chama micoplasma. É um fungo bem comum de aparecer. Ele aumenta muito a vontade de comer doce”, diz a terapeuta.

O hematologista rebate: “Micoplasma, na verdade, não é um fungo, é uma bactéria. E ela não pode ser visualizada dessa maneira. Sem dúvida nenhuma, não existe nenhuma associação entre o aparecimento de micoplasma e o desejo de comer doce."

Radicais livres

Em outro consultório, surge uma expressão comum no mundo ortomolecular: radicais livres. “Radical livre são esses buracos brancos”, diz a terapeuta, formada em Administração de Empresas.

O Fantástico mostrou as imagens para o cardiologista Francisco Laurindo, que estuda radicais livres no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo.

“Posso dizer que os pontos brancos muito provavelmente correspondem a reflexos. A luz reflete na superfície da célula, e aquilo tem uma certa luminosidade, como se fosse um espelho, e ele reflete e promove esses reflexos brancos”, explica o cardiologista.

Radicais livres são partes invisíveis de moléculas. Eles são produzidos na respiração e circulam naturalmente pelo corpo. São muito instáveis. Precisam reagir com alguma coisa.

"[Ao reagir] causam danos às células, desencadeando doenças, causando o próprio envelhecimento e a morte das células”, explica o professor de bioquímica da USP e da Unifesp, Etelvino Bechara.

Origem

Estima-se que existam, no Brasil, seis mil médicos adeptos da medicina ortomolecular ou biomolecular, como ela também é conhecida. Essa medicina, que tem como foco o combate aos radicais livres, foi criada por um químico.

“Ortomolecular foi fundada por um grande pesquisador, duas vezes prêmio Nobel, doutor Linus Pauling”, conta José de Felippe Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Biomolecular.

O surgimento dessa especialidade ocorreu nos anos 1960. A medicina ortomolecular só chegaria com força ao Brasil quase duas décadas depois, defendendo que um organismo saudável é um organismo quimicamente equilibrado e que esse equilíbrio poderia ser atingido usando-se altas doses de vitaminas.

As vitaminas, também chamadas de antioxidantes, atacam os radicais livres e, portanto, poderiam retardar o envelhecimento.

“Existe muita controvérsia sobre o fato de se a ingestão de doses altas desses antioxidantes vai, de fato, prevenir uma doença e ajudar você a controlar seu envelhecimento ou seu estado de saúde”, afirma Etelvino Bechara.

Novas regras
O Conselho Federal de Medicina reconhece a medicina ortomolecular, mas faz ressalvas.

“É uma prática que tem uma ação terapêutica muito eficaz e com valor cientifico em determinadas circunstâncias em parâmetros estabelecidos, mas não dentro dessa busca de envelhecimento, de antienvelhecimento, como hoje é proposto de maneira muito ampla dentro da sociedade brasileira”, afirma Carlos Vital Correa Lima, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.

No início deste mês, entraram em vigor novas regras do Conselho Federal de Medicina para a medicina ortomolecular. Além de proibir o exame da gota de sangue, elas limitam o uso de um outro teste típico dessa modalidade: o exame do fio de cabelo.

“A gente pega um pouquinho de fio de cabelo e manda para os Estados Unidos. Eles mostram todos os minerais que estão deficientes, todos”, disse uma terapeuta.

O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina diz que esse exame não é válido. “O exame do fio capilar e o exame do dedo, da gota, não devem ser feitos. Não têm valor científico”, afirma

Legumes, frutas e verduras

A nova resolução do Conselho Federal de Medicina também determina: altas doses de vitaminas e minerais, só se o paciente tiver falta dessas substâncias no organismo. Fora isso, basta se alimentar direito.

“Essa é a mensagem que, na verdade, tem sido transmitida pela comunidade médica e pela comunidade de químicos e bioquímicos que trabalham com radicais livres: consumam legumes, frutas e verduras”, diz o professor Etelvino Bechara.

Anestésico e soro
A produtora do Fantástico não saiu dos consultórios só com receitas de vitaminas e minerais. Recebeu também a indicação de procaína, um anestésico.

“Se você quiser a procaína, que no seu caso é indicado, isso é bem rápido, porque a proteína é bem antioxidante”, diz a terapeuta.

O Fantástico procurou o dono do consultório onde uma bióloga indicou a procaína. Ele é dono de cinco clínicas.

"A procaína nós usamos para tudo aquilo que se é permitido. Por exemplo, a procaína inibe uma enzima que provoca aquelas depressões leves. Essa é uma das funções que nós usamos aqui a procainoterapia. E também como antioxidante", diz o médico Eduardo Gomes de Azevedo.

“Aplicação de procaína como uma medicação antioxidante e de rejuvenescimento não está permitida. Não tem valor científico”, rebate o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.

Em uma clínica no Rio, outra indicação: soro com água oxigenada na veia para desentupir veias e artérias. “A gente faz o gotejamento do soro na veia. O peróxido de hidrogênio vai entrando e vai limpando tudo. Traduzindo, água oxigenada. Aí você pode reparar que, quando acabar a primeira, você olha no espelho e verá que você ficou mais branca”, diz o atendente.

“É para uso externo, não é para uso interno. (...) Isso só na imaginação desse indivíduo”, afirmou o hematologista Daniel Tabak.

Problemas espirituais

Foi nessa mesma que o médico, dono de quatro clínicas em dois estados, atribuiu os sintomas de nossa produtora a problemas espirituais.

"A sua mãe ou a sua avó materna frequentaram espiritismo", perguntou o médico. "O senhor está vendo no meu sangue que eu tive contato com espiritismo ou a minha família?", questiona a produtora.

"Isso eu não descobri em livro, não. Isso é uma descoberta minha", ele respondeu. "Mas o que o espiritismo tem a ver com meu sangue e com o processo degenerativo?", insistiu a jornalista.

"Só dá isso nesses casos. Essas coisas só dão nesse caso. Tem duas cores que você não pode usar: nem marrom nem preto. Você vai dizer: ‘Pô, além de médico, o cara é maluco!’. Mas preto e marrom são a cor do ocultismo", concluiu.

A produtora recebeu uma receita para vários remédios - todos vendidos na própria clínica. O tratamento custava R$ 3,1 mil por mês.

De acordo com o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, a prática é ilegal. “Não pode oferecer, não pode comercializar produtos, medicamentos em seu consultório. Configura-se como prática de farmácia e isso é vedado pelo código de ética e por lei”, afirmou Carlos Vital Correa Lima

A reportagem voltou a procurar o médico Carlos Carvalho. Ele disse que vai mudar a conduta. “Ou eu cumpro o que o conselho manda, ou eu vou perder o meu diploma. Então, eu vou cumprir. Mesmo discordando, eu vou cumprir”, afirmou.

A venda de remédios no consultório também é praticada pela terapeuta de São Paulo. “Não sou médica. Eu sou terapeuta ortomolecular. Estudei cinco anos, sou professora de ortomolecular. O médico de ortomolecular ele só tem CRM. (...) A sua terapia em quatro meses fica em R$ 1,9 mil. Você pode pagar em quatro vezes. Aí eu vou fornecer o que você precisa. Não vende em farmácia”, disse a terapeuta.

Testes em laboratório

O Fantástico levou esses remédios para um laboratório credenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para testar se os produtos, de fato, continham aquilo que o rótulo informa.

Alguns produtos tinham uma descrição tão genérica no rótulo que nem foi possível testá-los. Já um complexo de vitaminas foi examinado. Ele continha o que o rótulo dizia: milionésimos de gramas de vitaminas, que é a dose diária recomendada dessas substâncias.

“Se a pessoa se alimenta bem, de acordo, não haveria necessidade. Não há nenhuma evidência que este tipo de prescrição cause benefício terapêutico”, afirma o médico responsável pelo laboratório, Gilberto de Nucci.

Procurada pelo Fantástico, a terapeuta Maria Pieroni disse apenas o seguinte: “Eu estou fazendo uma coisa totalmente legal, não estou fazendo nada ilegal. Não tem por que eu ficar dando entrevista”.

Para José de Felippe Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Biomolecular, a terapia ortomolecular chegou no Brasil "um pouco com o pé quebrado".

"Fizeram propagandas indevidas. Por isso, eu uso biomolecular. Agora, eu respeito a ortomolecular do início, do Linus Pauling, uma molécula certa no lugar certo”, diz Júnior.

“Como em qualquer comunidade, existem indivíduos sérios que têm uma vontade de ajudar o paciente e que acreditam profundamente naquilo que estão fazendo, mesmo no caso da medicina ortomolecular. E há o outro extremo, que são casos praticamente criminais de indivíduos que eventualmente nem médicos são, que estão aplicando procedimentos sem a menor base”, afirma o cardiologista Francisco Laurindo, que estuda radicais livres no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo.



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