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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Os números do lugar mais pobre dos EUA - os efeitos negativos de uma religião


Habitação no vilarejo de Kiryas Joel
O lugar mais pobre dos Estados Unidos não é nenhuma cidade poeirenta da fronteira do Texas, um lugar ermo em Appalachia, uma remota reserva indígena ou um bairro deteriorado de alguma cidade grande. Ele não tem favelas nem pessoas sem-teto. Ninguém que mora lá se veste com farrapos ou passa fome. O crime praticamente não existe.

E, mesmo assim, pelo menos oficialmente, nenhum dos 3.700 vilarejos ou cidades do país com mais de 10 mil habitantes tem uma proporção maior de sua população vivendo na pobreza do que Kiryas Joel, uma comunidade composta principalmente por conjuntos habitacionais e prédios baixos, localizada a 80 quilômetros a noroeste da cidade de Nova York, em Orange County.

Cerca de 70% dos 21 mil moradores do vilarejo vivem em lares cuja renda fica abaixo da linha de pobreza nacional dos EUA, de acordo com o Escritório do Censo. A renda média familiar (US$ 17.929, ou R$ 28.166) e a renda per capita (US$ 4.494, ou R$ 7.060) estão abaixo de qualquer outro lugar. Quase todos os lares do vilarejo reportaram menos de US$ 15 mil (R$ 23.565) de renda anual.
Cerca de metade dos moradores recebem auxílio para alimentação e um terço recebe benefícios do Medicaid e dependem de subsídio federal para ajudar a pagar os gastos com moradia.

A posição improvável de Kirya Joel resulta em grande parte de fatores religiosos e culturais. Os judeus hassídicos ultra-ortodoxos Satmar predominam no vilarejo, para onde muitos deles se mudaram do Brooklyn a partir dos anos 70 para acomodar sua população em crescimento geométrico.

As mulheres se casam cedo, continuam no vilarejo para cuidar dos filhos e, de acordo com as regras religiosas, não usam nenhum método contraceptivo. Como resultado, a idade média da população (abaixo de 12 anos) é a mais baixa do país e o tamanho dos lares (com quase seis pessoas) é o maior. As mães raramente trabalham fora do lar enquanto seus filhos são pequenos.

A maioria dos moradores, criados falando iídiche, não falam muito bem o inglês. E a maioria dos homens se dedicam ao estudo da Torá e do Talmud em vez de ao treinamento acadêmico – apenas 39% dos moradores são formados no segundo grau e menos de 5% têm diploma de bacharelado.

Várias centenas de adultos estudam em tempo integral em instituições religiosas.

A concentração de pobreza em Kiryas Joel não é uma estratégia deliberada dos líderes da seita Satmar, disse Joel Oberlander, 30, examinador de títulos que vive no Brooklyn. “Este é um grande peso sobre os seus recursos”, disse ele. “Eles adorariam ver os mais ricos da comunidade se mudarem para lá para equilibrar a situação, mas por que eles fariam isso?”

Ainda assim, as últimas estimativas de pobreza do Escritório do Censo, baseadas na Pesquisa de Comunidades Americanas de 2005-2009 e publicada no ano passado, não levam em conta a tradição de filantropia da comunidade e os empréstimos sem juros. Além disso, algumas famílias são elegíveis para receber benefícios públicos porque recebem salários artificialmente baixos das congregações religiosas e de outros grupos sem fins lucrativos que administram negócios e escolas religiosas. Quase metade dos moradores empregados do vilarejo trabalham para escolas públicas ou paroquiais.

“Se as pessoas querem trabalhar num contexto religioso e ganhar menos do que ganhariam numa grande loja, é uma escolha delas”, disse Gedalye Szegendin, administrador do vilarejo, referindo-se a uma propaganda gigante da loja de equipamento de vídeo B&H em Manhattan, cujo dono e muitos dos funcionários são membros da seita Satmar. “Não quero julgar”, acrescentou Szegedin. “Eu não chamaria o lugar de uma comunidade pobre. Eu diria que algumas pessoas são depauperadas. Chamaria de uma comunidade com muitas dificuldades de renda.”

Como a comunidade normalmente vota como um bloco, ela têm uma influência política desproporcional, o que permite enfrentar essas dificuldades com criatividade. Uma maternidade com 60 leitos foi construída com US$ 10 milhões (R$ 15,7 milhões) em recursos estaduais e federais.
A deputada estadual Nancy Calhoun, republicana que representa um distrito vizinho em Orange County, pediu que as autoridades estaduais investigassem o motivo pelo qual Kiryas Joel recebeu financiamentos para o centro. “Eles podem ser verdadeiramente pobres no papel”, diz ela. “Mas na realidade não são pobres de verdade.”

A pobreza é em grande parte invisível no vilarejo de 2,5 quilômetros quadrados. O estacionamentos estão lotados, mas os carrinhos de bebês e triciclos parecem superar o número de carros. Uma joalheria fica ao lado de um escritório de compensação de cheques. Para evitar estigmatizar os jovens casais mais pobres ou fazer os pais se sentirem culpados, o rabino chefe recentemente declarou que anéis de diamante não são aceitos como presentes de noivado e que bandas de uma pessoa só são suficientes nos casamentos. Muitos moradores que foram abordados pela reportagem não quiseram falar sobre suas finanças.

“Não posso dizer que, como grupo, eles estão burlando o sistema”, disse William B. Helmreich, professor de sociologia especializado em estudos judaicos no City College da Universidade da Cidade de Nova York, “mas acho que eles têm métodos pouco ortodoxos, com o perdão do trocadilho, para conseguir apoio financeiro.”

Tudo isso leva a uma questão fundamental: será que sete entre dez moradores de Kiryas Joel são realmente pobres? “É, de certa forma, uma anomalia estatística”, disse Helmreich. “Eles claramente não são ricos, e têm muitos filhos. Eles gastam qualquer renda em roupas, alimentos e carrinhos de bebê.”

David Jolly, comissário de serviços sociais de Orange County, também diz que embora o número de pessoas que recebam benefícios pareça desproporcionalmente alto, o número de casos – uma família é considerada como uma unidade – é bem menos aberrante. Uma família de oito pessoas que declara uma renda de até US$ 48.156 ainda pode obter auxílio alimentação, embora o limite para auxílio em dinheiro (US$ 37.010), que relativamente poucos moradores recebem, seja mais baixo.
Joel Steinberg, que mora no vilarejo com sua família e trabalha como controlador em uma imobiliária, disse que antes da Páscoa judaica, “o maior projeto da comunidade era levantar fundos para alimentação.”

Steinberg conta que encontrou com um vizinho pedindo ajuda de porta em porta no outono passado: “ele havia recebido dois avisos da companhia de serviços, está atrasado no pagamento da conta, e disse que seu auxílio alimentação foi usado antes do final do mês. Ele está gastando muito com transporte para ir ao trabalho, e teve um gasto inesperado que o levou a dever.”

William E. Rapfogel, diretor-executivo do Conselho Judeu Metropolitano para a Pobreza, disse: “com certeza, provavelmente há pessoas tirando vantagem e outras na economia informal que estão recebendo benefícios que não deveriam receber, mas também há muitas pessoas pobres.”

Szegedin, administrador do vilarejo, diz que os críticos tendem a esquecer que os contribuintes do estado costumam ser poupados porque milhares de crianças do vilarejo se matricularam em escolas religiosas. A vizinha Monroe-Woodbury, com quase o mesmo número de crianças em idade escolar, gasta cerca de US$ 150 milhões anualmente em suas escolas públicas, cerca de um terço dos quais vêm do Estado. (Albany fornece cerca de US$ 5 milhões para o orçamento de US$ 16 milhões das escolas públicas de Kiryas Joel.) “Aqui também não há programas de tratamento para drogas, nenhum programa contra a delinquência juvenil, não estamos entupindo nosso sistema judicial com casos criminais, não temos programas para a Aids ou a gravidez adolescente”, disse ele. “Não calculei os números, mas acho que estamos quites.”

Fonte. (somente para assinantes)

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