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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Visitando a Coréia do Norte-Entrevista-Primeira parte

Um país extremamente desconhecido para a maioria dos brasileiros. Esta é a Coréia do Norte, com 23 milhões de habitantes, um histórico doloroso de guerra com o Japão, uma cultura muito diferente da nossa e um regime de governo visto com desconfiança por boa parte do mundo. Governada por Kim-Jong-il, o país é constantemente criticado por organismos de direitos humanos, pela falta de liberdade de expressão e por não possuir um modelo de democracia igual aos dos países ocidentais. Mas e o outro lado da questão? 
O Estudante de física da USP Alexandre Rosendo, de 17 anos esteve no país neste mês de Abril, do dia 9 ao dia 19 . Ele mantém um blog chamado "Solidariedade à Coréia Popular", onde divulga informações sobre o país norte-coreano e defende seu regime de governo.
Em entrevista ao blog, Alexandre contou muitas curiosidades sobre esta visita, além de criticar a cobertura da mídia nacional, quando fala sobre este distante país.

Alexandre, a norte-coreana Ri e seus amigos Gabriel e André


Como surgiu o convite para vocês visitarem o país e quanto tempo durou a visita?

Resposta:

Fomos convidados para visitar a RDP da Coréia em setembro do ano passado, durante uma cerimônia na qual participamos para comemorar os 62 anos da fundação da República democrática e popular na parte norte da Coréia. Todos os gastos da viagem ficaram por conta da Associação Coreana de Cientistas Sociais: Alimentação, gasolina, hotel, etc. etc. Entramos na Coréia do Norte no dia 9 de abril de 2011 e saímos no dia 19 de abril de 2011 (10 dias). Foi uma viagem que valeu muito a pena pelo fato de termos tido a liberdade de ver o que a totalidade dos turistas não poderia ver: Fábricas, granjas cooperativas, o campo, escolas, universidade, hospitais, estabelecimentos, etc.

Uma das famosas e belas guardas de trânsito do país


Quais foram suas primeiras impressões ao chegar na Coréia do Norte?

R:

A primeira impressão que tivemos quando pisamos pela primeira vez na Coréia é de ver um país que passa por dificuldades e se esforça com todo o ímpeto para superá-las. A falta de fertilidade do solo coreano e o simples fato de ele se encontrar congelado durante a maior parte dos anos leva a população a aproveitarem cada cm² de terra fértil. Mesmo no meio do aeroporto, nas pistas onde passavam os aviões, encontravam-se pequenas plantações de arroz. Porém, mesmo com todas as dificuldades, pudemos presenciar um país de se orgulha de ter a capital mais limpa do mundo. O sistema universal e gratuito de educação compulsória de 11 anos, estabelecido em 1972, além de um dos mais modernos sistemas de saúde do mundo também é motivo de orgulho para seus cidadãos. Um país no qual se conta nos dedos a quantidade de pessoas sem moradia em pleno bloqueio deve ser um exemplo a ser seguido.

Ruas da capital Pyongyang


É bem conhecida uma série de reportagens da jornalista Ana Paula Padrão, para o Jornal do SBT, sobre a Coréia do Norte. Você percebeu diferenças entre a realidade que viu lá e o que foi mostrado nas reportagens?

R:

Sinceramente, não pudemos perceber muita diferença entre a realidade mostrada naquele documentário e o que percebemos no país. O documentário feito pela jornalista Ana Paula Padrão mostra uma Coréia muito bonita, com um povo bem-vestido, alegre. O grande problema é que uma visão preconceituosa e idealista faz com que a mesma enxergue pêlo em ovo. Tudo vira motivo para se falar em “totalitarismo”. Fala-se no “totalitarismo” no sorriso das pessoas, no “totalitarismo” presente nas danças de ginástica de massas... É melhor focar na realidade objetiva do que se apegar a conceitos vazios, abstratos.
Estudantes em colégio secundário


A imprensa brasileira na sua opinião distorce a realidade norte-coreana?

R:

A imprensa brasileira, subserviente aos ditames da imprensa sul-coreana e norte-americana, não só distorce como também mente de forma aberta acerca da Coréia Socialista e da situação na Península Coreana. Creio que se passarmos analisando cada mentira que a imprensa publica sobre o país, não sairia daqui tão cedo. De qualquer forma, tentarei ser sistemático: No ano passado, foi publicada uma matéria na Folha de São Paulo segundo a qual as mulheres norte-coreanas teriam sido proibidas de usar calças. Mentira, praticamente todas elas usavam quando estivemos lá; A mentira mais famosa, creio eu, foi aquela segundo a qual a Coréia do Norte teria falsificado o resultado do jogo do Brasil e teria sido posta como vencedora. Mentira. Todos os norte-coreanos sabiam que o Brasil tinha ganhado e aquele vídeo que circulou pela Internet era falso – afinal, a tal jornalista coreana que supostamente anuncia a “vitória" norte-coreana, na prática, não fala nada relacionado a futebol. Mentiras como essas divulgadas em larga escala (que apareceram inclusive no jornal das 8) são de grande desgosto para qualquer pessoa que tenha compromissos com a verdade.
Aula de biologia, em colégio secundário


Quais os costumes da sociedade de lá mais curiosos e mais diferentes dos nossos?

R:

A cultura coreana é diametralmente diferente da cultura brasileira. Talvez isso explique o porquê de a maioria da dita ‘esquerda’ nutrir um ódio pequeno-burguês pela Coréia do Norte, mesmo que esta tenha realizado as tarefas fundamentais de um Estado Proletário: A industrialização pesada, a mecanização da agricultura e o conseqüente avanço no desenvolvimento das forças produtivas, etc etc.

No mais, em termos culturais, o que me chamou mais atenção é o respeito que todos têm pela figura da ‘liderança’. A Coréia, tendo sido por milênios uma sociedade que tinha como base a família e, no centro desta, a figura paterna ou materna, explica historicamente essa reverência. Lembro-me que, quando chegamos em Pyongyang, nosso camarada anfitrião So Ryun So disse-nos que seria necessário um líder à frente da delegação. Como não tínhamos pensado nisso antes, botamos o camarada Gabriel à frente da delegação por questões meramente formais, além de ser o mais velho entre nós. Para nosso amigo Ryung So, não fazia sentido a forma arbitrária como a liderança tinha sido escolhida. Enfim, foram coisas que pudemos perceber ao longo do convívio com camaradas coreanos.

Outra coisa que pude perceber é a forma camaradesca, familiar e respeitosa como os coreanos se tratam. Na presença de nosso anfitrião-guia, o que mais ouvíamos eram palavras como “So Dongji” (camarada So, em português). Os coreanos também dão muita atenção à questão das boas maneiras mais do que os outros povos. Lembro-me que, no nosso primeiro dia no hotel, foi feito um jantar de confraternização entre todas as delegações. Enquanto todos se portavam como verdadeiros gentlemen, fazíamos questão de mostrar a todos nossas maneiras vikings de nos comportar à mesa, como quem come um churrasquinho de gato num clássico Corinthians X Palmeiras ou como a peãozada que bota dois quilos de arroz e feijão no mesmo prato.

Por uma questão de respeito, um camarada sempre serve cerveja ao outro quando está à mesa. Se bem que isso poderia ser aplicado aqui no Brasil também... Não seria tão distante culturalmente como venerar um líder.
Metrô da capital Pyongyang



Veja a segunda parte do relato de viagem, aqui.

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