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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Legalização da maconha: a quem interessa?

Por Dr Cláudio Jerônimo da Silva - psiquiatra e Diretor Técnico do UNAD



É natural que um assunto complexo gere discussão e polêmica. Mas, sempre que ouço alguma opinião a esse respeito, me pergunto: quais são a motivação, os interesses e as avaliações que estão subjacentes à ideia da legalização da maconha? Naturalmente, são diversos motivos. Alguns dos que imagino, gostaria de compartilhar com os leitores.

Antes, alguns dados objetivos precisam estar em mente: 75% dos brasileiros não concordam com a legalização; 11% concordam. O restante não sabia opinar ou não respondeu à pesquisa Lenad 2012. Em número de pessoas, isso significa que 111 milhões de brasileiros não concordam com a legalização e que 16 milhões concordam. Como os dados com o perfil dessas pessoas não foram ainda avaliados, e suas motivações não foram objeto da pesquisa, vamos aqui levantar algumas hipóteses a respeito de quem seria essa minoria de brasileiros que concordam com a legalização.

Entre eles existe um grupo, manifesto, que acredita que a legalização vai regular o consumo, a produção, a distribuição, e com isso haverá diminuição do tráfico e da violência. Está subjacente à essa ideia o alto controle estatal, como aconteceu no Uruguai. O Estado deverá conseguir fiscalizar a venda de sementes, o número de pés de maconha plantados, a idade de quem planta, quem usa e a quantidade que usa, quem comercializa e quem compra. Quem defende essa posição deve acreditar que a maconha é uma droga que merece controle, que não deve ser liberada totalmente. Deve acreditar que pelo menos para alguns a maconha traz prejuízo, caso contrário não faria sentido tanta regulação do Estado.

Eu faço parte de um grupo que questiona: tendo em vista que a experiência brasileira na regulação e no controle do mercado de álcool e cigarro não é boa, por que seria diferente com a maconha? Regular tantas etapas do processo, além do comércio ilegal que continuará existindo, é viável, factível? Tendo em vista a dimensão do Brasil, nossa história, nossa cultura e nossos hábitos, podemos nos comparar com Uruguai, Holanda, Portugal, Estados Unidos? Se o Estado brasileiro não conseguiu fazer frente às forças do mercado de bebida e de cigarro no controle de propaganda, distribuição e venda de seus produtos, por que seria diferente com a maconha? Por exemplo, não se conseguiu restringir o consumo de bebida nos estádios durante a Copa. A lei foi rediscutida em razão do poder econômico. Ao se formar um mercado de maconha, ele não vai se organizar, se fortalecer e exercer seu poder sobre o Estado? Ou, ao contrário do mercado de bebida e cigarro, ele vai passar a considerar interesses de saúde pública e dos mais vulneráveis (crianças, adolescentes, doentes mentais)?

Existe outro grupo que acredita que a liberdade das pessoas deve ser prioridade. As pessoas todas teriam plena condição para avaliar os riscos e os benefícios de seu comportamento e para decidir o que é melhor para si. Essa é uma questão filosófica interessante. Existe uma teoria em psicanálise que diz que a cidadania e a convivência coletiva só foram possíveis quando o homem conseguiu reprimir alguns de seus impulsos primitivos individuais em prol do interesse da maioria e do bem comum. Para o bem-estar do grupo, não sujamos as ruas fazendo nossas necessidades fisiológicas, embora isso nos custe algum esforço e o cumprimento de algumas regras que contrariam a satisfação imediata e pura dos impulsos e desejos primitivos. Este é o princípio: se algum desejo individual prejudica o bem-estar do grupo, ele precisa ser revisto. Assim, pergunto: o que é melhor para o bem comum, e não para o indivíduo? A vontade do indivíduo deve se sobrepor à vontade do grupo?

Ainda nesse campo, temos a psicologia comportamental, que se baseia no argumento de que o ambiente (cultural, social, econômico etc.) influencia a decisão das pessoas. Ninguém é totalmente livre e desprovido de interferências externas. O mercado, a propaganda, o preço, a atitude do grupo influenciam a decisão das pessoas. Não é só isso. A dependência turva a liberdade de escolha. E maconha causa dependência: 37% dos brasileiros que usaram maconha no último ano preenchiam critérios de dependência (Lenad). Isso não é um questionamento. É um fato.

Existe ainda o grupo de usuários de maconha. Essas pessoas gostariam de sair da ilegalidade e não sofrer preconceito e exclusão. E, naturalmente, uma parte delas gostaria de continuar usando. Fato: cerca de 3% da população brasileira usa maconha. Questão: nesse grupo, imagino que existam vários subgrupos, como aqueles que usaram eventualmente e não tiveram problemas e querem continuar usando. Aqueles que usaram, tiveram problemas (desenvolveram um quadro psicótico e perderam a capacidade de ajuizamento crítico) e não conseguem perceber os prejuízos e, por isso, querem continuar usando. E aqueles que, embora usem, gostariam de parar.

Sobre isso, me pergunto: não seria mais fácil e justo proteger os mais vulneráveis com capacidade de ajuizamento crítico prejudicado? Não existe outro modo de tratar os usuários sem preconceito e exclusão que não seja colocar em risco os outros mais vulneráveis? De fato, os mais vulneráveis talvez sejam a minoria. Mas qual é o papel das políticas públicas se não proteger os mais vulneráveis? Não deveria o Estado proteger a minoria mais vulnerável?

Evidentemente, existem muitos outros grupos, mas esses são os maiores. É evidente também que todas essas questões são passíveis de discussão e que assim seja. Essa é a intenção deste post. Quero levantar dúvida e gerar questionamento. Se formos capazes de duvidar, seremos capazes de responder um dia. O que preocupa é a indisposição para o debate e decisões que desconsiderem o que pensa a maioria das pessoas.

Mas a dúvida que mais preocupa e incomoda é que deve existir um grupo que lucraria muito com a legalização da maconha. Não são os 3% de usuários ou os 11% que concordam com a legalização. É um grupo muito menor, que vê em nossa ingenuidade e na possibilidade econômica uma grande oportunidade. Nesse grupo não há espaço para ingênuos, do que se conclui que entre os que concordam também há um grupo de ingênuos.

A pergunta que cabe neste caso é o que fazer para não ficar nesse grupo e inadvertidamente lutar pelos interesses de tão pouca gente?

Questionar e duvidar pode ser o primeiro passo. Saber em qual grupo nos incluímos, o segundo. E, por fim, tentar responder: a quem de fato interessa que a maconha seja legalizada? Interessa a você, leitor? Por qual motivo?

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