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domingo, 31 de maio de 2015

O uso de plantas medicinais pode fazer mal?

O mastruz




Eliane Evanovich- mestra em Ciências Biológicas - Universidade Federal do Pará



As primeiras escrituras sobre o uso de plantas medicinais data de cerca de 3700 a.C da China. Relatos sumérios, egípcios, hindus e de populações pré-colombianas também são clássicos sobre o uso de extratos de plantas para diferentes fins. No Brasil, por contarmos com uma enorme diversidade botânica e origem multiética, o uso de plantas medicinais está diretamente atrelada à nossa cultura. Atualmente, os conhecimentos etnofarmacológicos extraídos de povos amazônicos por cientistas, principalmente estrangeiros, auxiliam na aquisição de informações necessárias para o desenvolvimento de novos medicamentos a partir de substâncias extraídas de plantas locais. Esses povos muitas vezes sabem qual planta deverá ser usada para tratar determinada moléstia e qual a dose aproximadamente necessária. Apesar de ser um conhecimento passado de geração a geração será que muitas dessas plantas não causariam mais problemas ao leigo que as usam do que soluções?

Quando preparo um determinado chá de planta X para tratar um problema Y, sei mesmo qual a quantidade apropriada para 1 litro de água?

Sabemos a veracidade da popular frase de Paracelso: "A diferença entre um remédio e um veneno está só na dosagem” quando lemos as bulas de medicamentos e percebemos os efeitos colaterais, interações medicamentosas e as consequências de uma superdosagem. Mas, remédios extraídos da natureza seriam capazes de causar tais reações? Ah, sempre ouvimos dizer que é tudo natural é bom, e se bem não fizer, mal não poderá causar! Será?

Uma importante informação que os cientistas que fazem pesquisas de etnofarmacologia sabem, mas poucos povos da floresta entrevistados conhecem, é que uma mesma planta pode apresentar vários princípios ativos - alguns com efeito medicinal e outros tóxicos (muitas vezes letal). Desta forma, ao usar um chá de uma planta como anestésico poderei ao mesmo tempo consumir outra substância que mata minhas células hepáticas.

Afinal, para que a preocupação em escrever essa matéria?

A preocupação está em ver centenas de páginas no Brasil que estimulam o uso de plantas medicinais comprovadamente tóxicas. Algumas dessas até sugerem o uso para tratamento do "Câncer" (como se este fosse somente uma doença e não várias com diferentes causas). Não podemos afirmar que certa planta de fato não possui o princípio ativo que irá auxiliar na busca e desenvolvimento de tratamentos para conter o crescimento de células tumorais. Seria pretensão afirmar isso, mas também é um ato pretensioso e perigoso dizer que certo tratamento natural terá um poder curativo sobre um problema letal como câncer (nesse momento generalizo câncer como crescimento descontrolado de um determinado tipo celular).

Alguns exemplos do uso indiscriminado e danoso de plantas é o confrei (Symphytum officinale) - planta usada normalmente como cicatrizante (para uso externo) ou em forma de chá. O uso dessa planta exótica extremamente usada pelo mundo é responsável por algumas mortes por hepatite tóxica, sendo, portanto o uso caseiro condenado pela Organização Mundial de Saúde nas últimas décadas (MAGNABOSCO et al., 1997; TANIGUCHI et al., 2002). Apesar dessa proibição, em pesquisas no google, ainda encontramos inúmeras páginas nacionais de medicina alternativa que indicam o uso desta planta. Fígados e rins em geral são os órgãos mais afetados pelo uso indiscriminado de plantas medicinais por causa da presença de substâncias como safrol, ligninas, alcalóides pirrolizidínicos (também com potencial carcinogênico), terpenos e saponinas.

O mastruz (Chenopodium ambrosioides), extremamente disseminado em nossa cultura no tratamento humano e de animais domésticos como antifúngico, antibactericida, anti-helmíntico, cicatrizante, anestésico, etc., com múltiplas funções na "medicina popular" dispõe de doze princípios ativos que servem para muitos tratamentos, incluindo os citados acima, mas também apresenta terpenos e saponinas, substâncias não isoladas no uso comum, sendo os efeitos tóxicos inevitáveis  1.

A trombeteira (Brugmansia suaveolens), planta ornamental normalmente utilizada na forma de chá (das flores) ou cigarro para uso antiasmático, anticonvulsional, cardiotônico e narcótico, apresenta dezenas de substâncias ativas, dentre elas alucinógenos que causam uma lista gigantesca de efeitos colaterais, como náuseas, vômito, mudança comportamental, retenção urinária, redução dos reflexos, hipotermia, alteração do controle hidroeletrolítico, etc. Portanto, os efeitos neurológicos da planta são claros. E antes que alguém se empolgue com seu uso experimental, trabalhos com ratos revelaram efeito neurotóxico e promotor de estresse oxidativo, afetando várias regiões cerebrais que coordenam a capacidade cognitiva (Dickel et al., 2010).

A trombeteira


Arruda (Ruta graveolens), planta aromática usada desde a Grécia antiga para diferentes males inclusive o "mau-olhado" e energia negativa é comumente usado como anestésica, anti-helmíntica, antibactericida, calmante, etc. Os perigos de seu uso são tão evidentes que mesmos as páginas e livros que a indicam para tratamento de doenças pedem prudência em seu uso devido os inúmeros efeitos colaterais como hemorragias uterinas, aborto e até morte. Segundo Ritter et al. (2002), a arruda apresenta alcaloides que estimulam as contrações uterinas resultando em aborto. De Freitas et al. (2005) observou a morte de fetos de camundongos após o tratamento de fêmeas grávidas com a arruda, assim, estes autores sugerem evitar o uso de qualquer planta medicinal durante a gestação. A presença de substâncias fotossensíveis também causa queimaduras e lesões cutâneas. Portanto, o uso desta planta precisa de cautela.

Outras plantas que também possuem afeito abortivo e potencial efeito teratogênico são o boldo-do-chile (Peumus boldus Molina), falso boldo (Plectranthus barbatus Andr. Benth), Buchinha-do-norte ou cabacinha (Luffa operculata L. Cogn.) e Losna (Artemisia absinthium L.) (Costa et al., 2004). Esses são apenas alguns exemplos, muitos outros poderiam ser citados.

Na França durante a década de 90 vários casos de hepatite foram relatados devido ao uso de cápsulas de têucrio (Teucrium chamaedrys) - medicamente usado normalmente para emagrecer. Outros casos similares foram observados no norte do Brasil decorrentes do uso de sacaca (Croton cajucara Benth), planta usada no tratamento de emagrecimento e males intestinais2.

Quando fazemos pesquisas mais minuciosas verificamos que intoxicações por plantas são comuns, principalmente por superdosagem ou metabolização daquelas substâncias indesejadas citadas acima (não isoladas nos preparos caseiros). E por isso poderia discorrer durante mais linhas sobre a toxicidade já comprovada de várias plantas medicinais em humanos, animais domésticos ou cobaias, mas não é esse o meu objetivo. Apenas peço cautela e tento alertar para os inúmeros riscos associados a um hábito tão comum em nossa cultura, mas que pode ser letal.



Referências Bibliográficas

Costa KCS, Bezerra SB, Norte, CM, et al. Medicinal plants with teratogenic potential: current considerations. Braz. J. Pharm. Sci. vol.48 no.3 São Paulo July/Sept. 2012.

De Freitas, TG.; Augusto, P.; Montanari, T. Effect of Ruta graveolens L. on pregnant mice. Contraception, v.71, n.1, p.74-77, 2005.

Dickel et al. Efeitos comportamentais e neurotóxicos do extrato aquoso de Brugmansia suaveolens em ratos. Rev. Bras. Farm., 91(4): 189-99. 2010.

Magnabosco M.; Rivera m. L.; Prolla i. R.; de Verney y. M.; de Mello e. S. Hepatic veno-oclusive disease: report of case, Journal of Pediatrics, Nova York, v. 73, n. 2, p. 115-118, 1997.

Taniguchi, A. N. R.; Ccélia, Vieira, S. M.; Ferreira, C. T.; Zaffonatto et al. Relato de caso – Doença veno-oclusiva induzida por chá de Senecio brasiliensis. 2002.



Link Consultado:

1 http://www.ansci.cornell.edu/plants/medicinal/epazote.html



2 http://www1.unimed.com.br/nacional/bom_dia/saude_destaque.asp?nt=13337


Comentário:

Excelente artigo, que serve para alertar quem confia cegamente em páginas do Facebook como "Cura  pela natureza" e dá credibilidade a sites que garantem que determinados chás curam várias doenças. Consulte sempre um médico antes de acreditar em curas naturais, indicadas na internet.

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